Muito tinha lido falar que Paterson faria um elogio da vida mundana etc. Não sei que filme viram. Longe disso.

Acaba sendo, me parece, muito mais um lamento. O tempo todo há uma certa tensão, um mal estar. Segunda-feira, terça. Quando, diabos, vai acontecer alguma coisa? — Talvez daí venha nossa ansiedade com o filme, nós, sempre famintos pelo próximo beat, pela próxima imagem, pela próxima ação. — Em Paterson, temos Paterson, a cidade e a personagem, de certo modo mimetizando aquela artimanha socrática na República de Platão: se, lá, pensa-se a justiça no âmbito da cidade e do indíviduo, aqui, mostra-se o puro estar-aí, da cidade tanto quanto a da personagem. E Paterson, em Paterson, sai para passear com seu cachorro, um buldogue inglês, de noite após o trabalho quando um sujeito na rua, em tom ameaçador, lhe diz que aquela era uma raça valiosa, que aqueles cães costumavam ser roubados (“dog jacked”, diz o sujeito). Paterson agradece a informação, segue para o bar e prende o cachorro do lado de fora com uma frouxa voltinha da coleira em uma torneira na parede: “tente não ser roubado” (“dog jacked”), diz Paterson ao cachorro. A verdade é que o tal do buldogue não lhe importa lá muita coisa. Paterson entra no bar, toma uma cerveja, o dia acaba; nada acontece.

Afinal, prosseguindo o filme, acabamos por nos perguntar: o que realmente importa para o protagonista? — Essa talvez seja a questão central do cinema de Jarmusch: esses sujeitos lançados na paisagem americana, algo desnorteados, algo indiferentes. — Não é sua mulher, a cujas palavras lhe entram por um ouvido e lhe saem pelo outro, em cujas conversas ele está sempre completamente absorto; não é o cachorro, que se lhe roubarem, tanto melhor; não é nem mesmo, por fim, a poesia, que até o fim do filme era nossa maior aposta, talvez nossa única certeza adquirida, certeza que é estraçalhada junto com o caderno de poesias pelo buldogue inglês em uma malcriação no sábado à noite; e Paterson não esboça nenhuma reação: “são só palavras”, diz ele, e depois ganha lá outro caderno em branco do poeta japonês, a próxima segunda-feira segue como se nada tivesse acontecido.

No fundo, Paterson não tem ambição nenhuma, paixão nenhuma, a vida lhe parece, antes, um enorme passatempo: um passar de tempo que passa o tempo inteiro no filme, representado pelo relógio de mão que ele olha regularmente. É o que resta para uma existência ateia: conversas mais ou menos interessantes no ônibus, encontros que não dão em nada, uma cerveja à noite no bar.