Quando a marca de vodka Belvedere chamou Terry Richardson para fotografar sua campanha publicitária de 2008, deram ao fotógrafo mais odiado do mundo completa liberdade para implementar sua maneira de fotografar. Nas palavras do próprio Terry,


"o que é ótimo sobre a Belvedere é que eles queriam que eu me mantivesse verdadeiro em relação ao que faço. Eles realmente permitiram que eu desse meu próprio toque à campanha."

Mas o que significava, mais exatamente, dar essa “total liberdade” à Terry Richardson?


Significava deixar que Terry, antes de somente tirar fotos, pudesse, acima de tudo, criar o próprio evento a ser fotografado: uma festa elegante em traje social com atores de Hollywood, músicos famosos, esplendidas modelos, figurões da indústria da moda e da mídia americana e o próprio Terry, que circulava com uma Yashica T4 de flash embutido — não muito diferente daquelas que nossos pais usavam em suas viagens de férias nos anos 90—, capturando tudo o que lá acontecia.

O "toque" de Terry veio de seu trabalho anterior, pelo qual se tornou (ainda mais) famoso. Se tomarmos livros como Kibosh (2004) e Terryworld (2005), imediatamente perceberemos que ele jamais esteve preocupado em ser um fotógrafo documentarista convencional. Ele induz muito do que é feito para ser registrado pela câmera: depredação de obras de arte, festas, vandalismos, cenas de amor, sexo, nudez etc. — e isso quando não é o próprio que se enfia no enquadramento, invadindo-o com as mãos, com o braço, com o pênis, ou virando a câmera para si, ou até mesmo terceirizando o clique. Isso acontece até chegar a um ponto em que, efetivamente, vemos ser necessário se perguntar — quem é o autor dessas fotos? A quem pertencem essas fotos?


As fotos são de Terry, até mesmo no caso radical em que ele sequer as está clicando. E isso porque ele liberta o fotógrafo da câmera, estabelece sua autoridade de uma maneira diferente da que estamos acostumados: não por acionar o obturador, mas por engendrar os eventos que serão fotografados. Terry transforma o fotografar em um gesto performativo.  Ele é o fotógrafo não por causa de seu “olhar”, não por causa de seus enquadramentos, e sim porque ele usa o gesto fotográfico para dar lugar a uma série de acontecimentos e relações sociais que não teriam lugar sem essa forma de intervenção. Ele propõe que o fotógrafo use a fotografia como instrumento relacional, como forma de engendrar relações sociais inesperadas, provacadoras, espontaneamente inconcebíveis.

Talvez seja questão de pensar que a se torna fotografia uma espécie de happening. Lembro que o happening é uma modalidade surgida no teatro enquanto uma performance que se visa se liberar de todo texto e pretexto. Pois é disso que aqui se trata — de uma teatralização do ato fotográfico, cujas fotos resultantes são muito mais provocações visuais que nos urgem a imaginar o que poderia ter acontecido ali? É isso que Roland Barthes, em seu Rhétorique de l'image, de 1964, chamou de "avoir-été-là" — ter estado lá. Da performatividade do gesto fotográfica se segue que cada foto acaba por não se bastar em si mesma, por lançar sempre, com a mais inquietante curiosidade, a questão para o que está além de si: o contexto.

Tomemos, como exemplo, a célebre fotografia do livro Terryworld em que o apresentador Steve-O aparece de meias e cueca em frente à uma parede branca, agachado, esguichando chantilly dentro de sua própria boca. O foco da foto está em suas bolas. Ao seus pés, vemos inúmeras capsulas de gás que são usadas para fazer o chantilly, e a parede branca está suja. Ora, a fotografia, em si, é de qualidade discutível. Mas isso pouca importa. Importa, isso sim, observarmos os detalhes e nos questionarmos: será encenado?, será que as cápsulas foram mesmo usadas ou estão espalhadas como elementos cênicos?, será que que alguém vomitou naquela parede?, será que os envolvidos na foto estavam drogados? etc. A fotografia, evidência de que algo esteve lá, não entrega seu sentido, se lança para fora de si.


Essa performatização do ato fotográfico põe em questão a própria relação entre fotógrafo e mundo. Mas não nos termos que Susan Sontag uma vez usou para a intervenção não-interventiva do fotógrafo documental (“o fotógrafo não intervém, mas participa”). Terry intervém, ele sempre é, de algum modo, parte crucial da própria experiência retratada. É como se sua fotografia fosse física. E realmente aqui que aqui há uma ideia fotográfica que Terry criou ou, ao menos, radicalizou: a de que não faz mais tanto sentido perguntar quem é o fotógrafo e o que é o mundo na medida em que o mundo não é mais entendido um objeto fixo, estático, um estoque de imagens possíveis, mas antes, enquanto realidade total que engloba fotógrafo e fotografado, atividade e passividade, teoria e prática, sujeito e objeto.

Daí que as fotos de Terry Richardson se ponham sempre em um limiar inclassificável. É nesse sentido que, Olivier Zahm, editor da revista parisiense Purple, disse:

[As fotos de Terry] são uma experiência. Terry leva estas estruturas dialéticas (homem/mulher, fótografo/modelo, fálico/não fálico) até o limite (…). [Ele] ensaia a subversão desta estrutura dual e pretende documentar a relação íntima com o modelo. Até onde a pode levar? Até onde a pode levar nos dias de hoje? Quais são os limites do jogo? O que é que o publico irá encarar como “moda” e o que é que considerará “arte”? Irá rejeitar as imagens e censurá-lo? É disto que trata a experiência.